A VIDA E O CINEMA

Para ele e os amigos, os pais erraram ao escolher o nome do filho de Burt Lancaster de Almeida. Redondamente. Onde já se vira aquilo? Vivia nos cantos, escondia o nome. -Podem me chamar de Almeida. Ou Bê Ele de Almeida.

Lamentava terrivelmente pela sádica idéia de os pais terem dado a ele aquele nome. Um horror. E o pessoal que fazia bullying naquela época deixava-o nos cantos, cabisbaixo. Se entrava no time, a condição era não ser chamado pelo nome. Vivia explicando a origem do nome. Os pais viraram fãs do astro de Hollywood. O filme: A um passo da eternidade, From here to eternity, em 1953. Mas não merecia esse nome absurdo para um brasileiro. Mas pais são pais...

Na adolescência, época dos grandes conflitos, talvez, para fazer jus ao nome, ao clima, mostrou interesse pelo cinema. Colecionava notícias, artigos, entrevistas e até um álbum de figurinhas de astros e estrelas de Hollywood chegou a completar. Enquanto as amigas colecionavam fotos de Tony Curtis, Pat Boone, William Holden, e os marmanjos guardavam as fotos de Marilyn Monroe nua, dos seios de Jane Russel, Jane Mansfield, Sofia Loren de biquíni, ou da Brigite Bardot com topless, ele se prendia e só falava no Burt Lancaster e na Debora Kerr. Era para se vingar dos pais. Maldito nome. Maldito filme... Ninguém mais agüentava...

Tempos depois, uma mudança. Para pior. Cismou que tinha recebido a visita de Burt Lancaster, em pessoa, e não é que era mesmo, a própria Debora Kerr? E vá dizer que era mentira o que estava dizendo. Jurava para todos, em nome de Deus, de todos os santos. “Posso encontrar minha mãe mortinha se não é verdade.” Alguns riam, outros sorriam, meio compadecidos. Outros chegavam a fechar os olhos e murmurar:

- Agora chegou ao fim. Não tem mais jeito.

Até que um dia, sumiu. Depois de uma semana, voltou ele com a velha e antiga ladainha.

-Sabem, tive uma aventura maravilhosa. Imaginem que fiquei com uma mulher maravilhosa, a Audrey Hepburn. Vocês sabem dos filmes Sabrina, Mascarade, Guerra e Paz, Bonequinha de Luxo...

Claro, ninguém acreditou. Zombaram. Agora estava pirado de vez.

Mês seguinte novo sumiço. Todos perguntavam onde Burt teria ido. Na casa, ninguém sabia. Desaparecera?

Mas um dia, todo lampeiro, apareceu na praça. Ansioso dizia que tinha estado com Kirk Douglas, aquele dos filmes Spartacus, O.K. Corral e Montanha dos Sete Abutres.

Era o Burt chegar e todos saíam. Não agüentavam mais. A professora de História, muito próxima dos alunos, soube do caso. Procurou-o. Inútil. Ele teimava que era verdade. Ela ficou até de falar com os pais.

Sumiu de novo. E os amigos, já imaginavam que iria perder o ano. Tantas faltas... Nenhuma preocupação com os estudos. A mãe já contatada pela professora.

E um dia, o pessoal, já imaginando o que ele ia aprontar quando voltasse para o meio deles, já estava pensando em pedir aos pais uma intervenção. Aquilo não podia continuar.

Ele veio de novo. Estava cabeludo, barba...Uns ares de hippye...

Aí os amigos já viam a coisa, até com certa tolerância. Afinal estava até engraçada a presença de Burt entre os amigos.

-E aí, Burt, salve. Quem desta vez visitou você? Os amigos de lado aguardavam ansiosos a resposta.

- Lembram-se do filme Easy Rider? Em Português, foi Sem destino...

-Ah, não, não vai nos dizer que esteve com o Peter Fonda? Essa não...

- Juro, juro. Estive com Peter Fonda, Dennis Hopper e ainda com Jack Nicholson...

- Depois dessa... Pessoal, vamos. Não dá mais.

-Não, gente, espere um pouco. É a pura verdade. Que faço para vocês acreditarem em mim?

- Ah, Burt, vai tomar em Hollywwod. E saíram rindo.

A professora foi à casa do Burt.

-Cuidado, conheço um psiquiatra muito bom lá na Faria Lima. Leve-o. Não custa. Pode ser alguma coisa grave. E quanto mais grave, sabe, né? Pior!

- Vamos ver, disse o pai.

Em casa, os pais questionaram-no. E ele confirmou que tudo que estava dizendo era só verdade. Não estava inventando.

Os pais resolveram marcar hora com o psiquiatra indicado pela professora.

Mas, Burt sumiu de novo. Os amigos, os professores já tinham uma resposta para o novo desaparecimento. Devia estar de novo com alguma celebridade do cinema, pensavam sorrindo e gargalhando.

Passaram-se dez dias e nada do Burt. Os pais foram à delegacia, dar parte do ocorrido. O filho Burt Lancaster de Almeida havia de fato desaparecido. E foram duas, três semanas, um mês. E nada de Burt aparecer com suas histórias absurdas. Onde teria ido? Alguns já brincavam com a coisa séria:

- Deixem ele. Deve estar com o Spielberg num dos planetas em guerra cinematográfica. Ou em Roma encontrando-se com Russel Crowe...

Passou mais um mês. E nada de Burt. A polícia, jornalistas atrás... Os pais desesperados. Os amigos já sentindo certo sentimento de culpa. Talvez Burt tenha se jogado num rio, deve estar andando feito um louco, um sem teto...

Sete meses se passaram e ninguém dava conta de Burt Lancaster de Almeida. Um dia, porém, uma senhora chamou a polícia para verificar um achado na fazenda que estava já meio abandonada. Era um corpo já começando a se decompor. A polícia chegou, o legista viu o corpo... Já havia tempos estava ali.

-Bem que eu havia sentido um mau cheiro por aqui. Pensei que fosse um cavalo, cachorro, bicho qualquer. Quem diria...?

Ao lado, já meio enterrada na terra uma placa com os dizeres:

“CUIDADO! O PRÓXIMO PODERÁ SER VOCÊ!”

Assinado: Hannibal Lecter.

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