Natal

PAPAI NOEL EXISTE


João Batista Chamadoira

A família, se se poderia dizer que aquele pai, a mãe e o filho de 6 anos - ali naquela choça – constituíam uma família...Zé do Lixo, Maria e o Zezim. Chegados do nordeste. Tentavam a vida em Bauru. Fugiram de São Paulo com o incêndio da favela. Vendeu a carroça com que ganhava a vida na capital, e vieram para Bauru. Foi bom o homem que comprou a carroça falar das coisas boas de morar no interior. Custo de vida barato, tudo pertinho. Também, com o barraco só fumaça... E a promessa do homem do interior sobre os empregos nos canaviais. Que bom! Até ônibus para levar os tais de bóias-frias para cortar cana!

E Zé veio cortar cana. O menino ficava em casa. Não estava ainda na escola. Com comida já pronta. Só esquentar. Maria morria de medo de Zezin sofrer alguma coisa... Mas fazer o quê? Dinheirinho a mais pra família. Lá no canavial.

Na invasão, aproveitou o embalo e a chance. Arrumou um lote. E os companheiros da invasão, de mutirão, começaram a montar os então casebres. O da família de Zé ficou, depois de 10 dias. pronto. Não era como o barraco que o fogo queimara lá em São Paulo. Mas dava pro começo. Feito de madeira, muita coisa achada aqui e ali, outras tiradas de árvores mesmo e algumas comprinhas. Eh... trabalhar como boia-fria era duro, mas deu até para uma casa onde passar a noite e poder descansar. Até um comodozinho pro Zezim deu.

-Mãe, que bom ter um quartinho assim.

-Zezim, deixa que logo seu pai até que melhora ele.

A vida dura. Mas tava dando. Levantar cedo, esperar aquele caminhão transformado em ônibus chegar e dormir mais um pouco enquanto viajavam pro canavial. Tinha dó da Maria, ali no frio, sem poder cuidar do menino, que esperava chegar 7 anos para poder ficar uma parte do tempo na escola. Mas logo havia de melhorar. Nem que tenha de morrer. Chego lá.

Mas acabou o corte de cana. Ficariam alguns para limpar o terreno para outra safra. E nessa, quem foi despedido? Zé e Maria. Dívidas para serem pagas. De onde tirar o dinheiro? E Zé voltou a catar o lixo. Zé do Lixo. E lá ia ele todos os dias, o dia todo pegando o que poderia ser aproveitado como o que diziam “lixo reciclado”. Mas sempre alguma coisa levava pra casa. Nas férias, Maria e Zezim o acompanhavam na faina diária de juntar aquilo tudo. Os detritos. Mexer em lata de lixo. E depois carregar pra casa.

-Maria, to precisando de um carrinho. O Migué já usa um puxando com o corpo. Ali com a barriga. Cansa, mas é bom.

Um belo dia, de manhã, Zezim entrou correndo gritando:

- Um carrinho, mãe! Um carrinho. Enquanto Zé improvisava um café com pão dormido, o Zezim corria pra cá, pra lá com o carrinho. Como um brinquedo, ali sempre ausente. Agora sim, mais fácil de carregar o material recolhido. Zé e Maria se entreolharam.

- Agora vai.

E agora os três saíam cedo. Zé até deixava Zezim puxar o carrinho. Quando vazio.

- Haja força na barriga. De noite aquilo, a cintura era vermelhidão dos diabos. Mas o que fazer? Afinal ... sina, destino... Mas vou chegar lá.

-Dê graças a Deus, Zé. Saúde é mais importante. Benza Deus.

Zezim ouvindo, baixava a cabeça pensativo. Férias, então trabalharia. Ajudava o pai.

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A vida, independentemente de casos, problemas, tristezas, alegrias, passava.

Zé chegou ansioso naquele dia e Maria percebeu.

-Alguma coisa, Zé?

-Tô vendo um cavalo pra comprar. Migué quer vender... e o preço tá bom. Podemos pagar.

Dia seguinte, o cavalo Pinhão ali comendo da graminha e do capim.

-Capim bom, Maria. Capim colonião. Melhor do que o capim favorito. Mais forte. Dos bom. Fibra boa. Olhe só . Só come. Devora. Nem pisca. Come, Pinhão, vai ser boa nossa amizade.

Perto do Natal, Maria começou dar voltas pra falar com Zé. Este percebeu.

-Fala, Maria. Que que é?

-Zé, Natal. O que dar pro Zezim?

- Que mané Natal, o quê! Comprar com quê? Papai Noel... Ah...,bobagem. Natal é pros ricos. Nós aqui, ó! E fez o gesto de uma mão aberta sobre o buraco formada pela outra fechada.

-Zé, que isso? Mais respeito!

- E isso, mulher! E pronto!

Vida continuava e Zé andando ali pelo centro da cidade, viu um Papai Noel na porta da loja. “Que besteira. Onde já se viu? Papai Noel...”, pensou.

Mas numa loja, viu em letras grandes, o anúncio. PRECISA-SE DE HOMEM PARA SER PAPAI NOEL.

Achou estranho aquilo, mas Maria logo explicou:

-Zé, tão querendo alguém para se vestir de Papai Noel. Lá pra loja. De noite você pode ser Papai Noel. Devem pagar. Um dinheirinho a mais vai ajudar, não?

E Zé, não demorou apesar da descrença, podia ser visto ali na loja, todas as noites. Crianças não o procuravam muito como antigamente poderiam procurar. Mas algumas, ainda puras, não marcadas pelo materialismo, achegavam-se. Pegavam nele. Mas outras, claro corriam. Também, quantas mães não mais falavam no velhinho do Natal...

E Zé voltava pra casa.

- Maria, catar lixo dia inteiro... E de noite, na loja, ainda com aquela roupa quente de Pa-pai No-el. De noite! Haja, né?

-Zé, paciência, um dinheirinho a mais nunca é demais. Agradeça a Deus a saúde.

Zé já estava se acostumando à rotina. O dinheirinho aumentando. Também, dois trabalhos.

Mas ...

Uma manhã, Zezim voltou assustado do terreiro da casa.

-Pai, quedê a carroça e o Pinhão?

-Tá lá, pra arreiar. Onde vão estar? Por quê?

O silencio do filho disse tudo. Roubaram a carroça e o Pinhão.

-Meu Deus, e agora? O que fazer? Deus é justo?

-Ainda bem que você tem o emprego de Papai Noel. Ainda quebra o galho. Fazer o quê?

Confiar em Deus.

-Deus? Ah, mulher.

Mas, Zé voltou a catar o lixo. Carregando nas mãos. E tinha que voltar logo, pois ainda tinha o Papai Noel da loja.

E o Natal chegava. Véspera. A loja cheia. Zé não agüentava mais! No dia 24 de dezembro, ficou ate 11 h da noite. Até o último cliente. E foi pra casa. Cansado e triste. Se Natal era alegria para muitos, pro Zé era só tristeza. Foram dormir. Iam trabalhar no dia 25. Afinal, muito lixo por certo nas portas de bares, casas... Muitas festas...

E passou a noite, mais pensando que dormindo. Quando amanheceu, meio sem sono, preparando as vasilhas para catar o lixo do dia 25, foi pro terreiro.

Mas não podia acreditar. Seus olhos viam coisas? Foi a noite sem sono? Estava variando?

Ali, bem na frente dele, ali... Uma carroça novinha, um cavalo forte meio cinza. A carroça toda enfeitada com bolas de árvore de Natal...

Zé chegou perto e viu o cartaz. A principio não acreditou. Como aquilo? Logo ele?

E o cartaz:

“ZÉ, O NATAL EXISTE, SIM. FELIZ NATAL PARA VOCË, MARIA E ZEZIM.”

Zé tirou o chapéu, coçou a cabeça e olhou pro céu.

Foi chamar Maria e Zezin.

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