OS GAROTOS E O CARROSSEL

Estava já na terceira volta daminha caminhada no parque da Água Branca. Notei que, enquanto eu caminhava quse sozinho, em torno de exposições, muitas outras pessoas utilizavam toda extensão para os exercícios. ah, pista sempre plana. Daí minha preferência, sempre circular, monótono, nada de antigas árvores verdíssimas, dos arbustos, das amoreiras, dos altos e baixos do relevo, dos aspecdtos visuais, olfativos - cheiro maduro das uvaias quase caindo - da deliciosa sobra.
Meio preocupado com essas diferenças, ouvi gritos alegres de crianças a quebrar a monotonia da ensolarada tarde: "agora sou eu, sou eu, eu agora!... Empurra, empurra!. Isso!
Mais alto!... Agora eu...!" Acabara a circular e çinear monotonia...
Era um casal de garotos, desses que dizem ser abandonados nas ruas, com cerca de sete a nove anos (?) que brincava no carrossel de cavalinhos, usado paenas e sempre nos sábados e domingos pelos visitantes do parque. E alegres, a menina e o menino, viviam li seus momentos de crianças, no descanso da dura v ida adulta que levavam
Essa visão me levou ao carrossel do livro CAPITÃES DA AREIA, de Jorge amado. E veio aà minha mente a cena qaue os Capitães da Areia iam brincar lá no carrossel, iam trabalhar e, mais importante brincar, vivendo a vida de criança que deveriam levar. Deixavam, então, de ser capitães para serem os meninos da reia. Alegria , espontaneidade, crincice. Afinal, eram crianças e se esqueciam do papel de adultos que representavam na luta pela sobrevivência. Como dizia Marcos Rey: "Em tempos dif´bicudos, as crianças já nascem velhas."
Fiquei olhando e fui para a quarta volta. No mesmo lugar, mudara cena e eu não acreditei. Um vulto amrarelo - essa a cor do avental, ou capa - em altos brados e bradindo um provisado "casse-tête", expulsava os meninos dali: "Não tê vergonhna, seus vagabundo, seus poroco, descrado, seus malandro! Não tem pai? Sumam!" E limpando as mãos, batendo uma nas outra, voltava para sua barraquinha de sanduíches.
Por certo, como a mim, o araelo deve ter-setornado uma cor feia, maldita, supeita para eles - não mais a camisa canarinha - pois sempre lembrará o dia em que, inocentes puros momentaneamente,viraram descarados. O parque tornava-se as conhecidas ruas de toedos os dias; as crianças novamente voltavam a ser adultos! A vida, como um eterno carrossel, continuava a dar suas voltas.
E eu - testemunha sensível - sentia-me vítima, réu e acusador. ao mesmo tempo.

Machado de Assis e o tempo

Machado de Assis e o tempo


Fim de ano. Alguns filosofam: tempo para refletir, para pensar o novo ano... Certo? Errado. Fim de ano para professor é correria. Correr contra o tempo. E haja pernas e tempo. Nessa azáfama findeanesca, buscando tempo, espaço nos minutos, comecei a falar comigo mesmo, como a racionalizar os conflitos do ter que fazer e não ter tempo. E aí, veio a palavra tempo ilustrar minha angústia de ser limitado e, portanto, ter que sublimar, esquecer, mandar ver as coisas, sem tempo mesmo. Padre Antônio Vieira achava o tempo uma coisa miraculosa: “Tudo cura o tempo!” Drummond via o tempo como uma solução para certos problemas: “Chega um tempo em que não se diz mais Meu Deus”. E até o filme “O vento levou” e música de Chico Buarque renderam alguma coisa: “Amanhã será outro
dia.” E como palavra atrai palavra, pensamento atrai pensamento, veio a figura de um dos mais preocupados com o tempo: o Bruxo de Cosme Velho: Machado de Assis. E lembrei-me, então, do obstáculo da entrada na Faculdade: Redação. Tema: Qual o prosador favorito e por quê? Não tive dúvidas: lasquei Machado de Assis. Anos depois, um dos últimos obstáculos para sair no curso de Letras: um trabalho sobre alguma coisa de Teoria Literária, com o Prof. Antônio Cândido. Não tive dúvidas e lasquei de novo: o tempo em Machado de Assis.
Pois é... se existe alguma coisa que gosto de explorar e verificar em Machado é o problema do tempo. Talvez, na inútil, porém, gostosa idéia de uma eterna adolescência – ah, adeptos da síndrome de Peter Pan – indigno-me com a inexorável passagem do tempo. Creio que o velho Machado também.
Senão, como se preocupar tanto com a passagem do tempo e mudanças na vida?
Você pega aí o romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Trata-se de memórias, da passagem do tempo. Vendo que tinha passado a vida inteira sem se realizar em nada, Cubas quer se imortalizar com a invenção de um remédio: o Emplastro Brás Cubas. E aí, quando estava ocupado em preparar e apurar a invenção, ironicamente tomou um golpe de ar. Pneumonia mais alguns dias, igual a morte. Daí as memórias póstumas...Para nós, aqui, do século XXI, meio forçada a pneumonia. Mas, por ser Machado de Assis, tudo bem...
Mas insiste no tempo. De outra feita, Brás Cubas não se desvencilhando do aspecto tempo, envolve a primeira namorada.e aí une o tempo ao dinheiro, sem saber e já mostrando que, um dia, esses conceitos iriam se identificar. Afinal, a famosa frase de Benjamim Francklin “Time is money” já tinha sido, ironicamente usada no trecho que cunhou o fim do namoro com Marcela: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
E tome lá tempo. Veio mais tarde o romance Memorial de Aires, pelo próprio nome, coisa de tempo e memória. O diário - já anunciado na obra Esaú e Jacó - do Conselheiro Aires conta a sua vida. Querem uma coisa mais relacionada ao passar do tempo do que um diário? Dia a dia, vai o Conselheiro Aires marcando, até seis cadernos manuscritos em tinta vermelha, os acontecimentos. E sabemos isso porque o próprio Machado nos conta em outro romance.
Esse anúncio de uma história em outra, já aparecia no Brás Cubas. Este, certo dia, encontra um homem, cujas “roupas, salvo o feitio, pareciam ter escapado ao cativeiro de Babilônia. Quem ler o capítulo Um encontro, verá que se trata de Quincas Borba, o gracioso menino amigo de infância de Brás Cubas. Mais tarde, porém – nada como tempo para mudar as coisas – encontra o mesmo Quincas Borba rico, bonachão. Tempo de um romance, de novo anunciado em outro.
O próprio Rubião, desse romance, também se fixa na passagem do tempo. No primeiro capítulo ei-lo fitando a enseada – eram oito horas da manhã: “Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista.”
Em D. Casmurro, a infância de Bentinho visitada pela personagem:. os amores por Capitu. E na velhice, a reconstituição da casa da rua Mata Cavalos no Engenho Novo. E seu sintomático gosto pela passagem do tempo ainda podemos sentir quando ao receber a visita de Ezequiel, sabe que se dedica ao estudos de Arqueologia. Quer conhecer o passado. Há também crônica em que Machado fala de achados arqueológicos no Rio de Janeiro.
E os contos do Bruxo de Cosme Velho?Quem for ver os títulos e assuntos dos contos sentirá ali o cheiro do tempo: Relíquias da Casa Velha, Histórias sem data, Vinte anos! Vinte anos! Casa velha, Entre duas datas, Curta história...
Minha memória, que curto e protejo, ainda guarda como terrível estigma ou bela síntese, a explicação do porquê do romance D. Casmurro. Logo no início, Bentinho escreve: “O meu fim (neste livro) evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência.”. Perdoem-me os leitores pela invasão na crônica. Mas faz parte do tema. Iniciei como radialista na Rádio Técnica de Atibaia, percorri por longos (ou breves) 23 anos, várias Escolas Estaduais e a Federal, pegando carona e viajando no ensino da Literatura, chegando à Unesp pelo trem da vida. Aqui, ministrar aulas de Radiojornalismo, me fez atar as duas pontas da vida: primeiro emprego, na adolescência, como operador de som, programador numa emissora de rádio. Depois como professor de Literatura. As aulas de Radiojornalismo fizeram o elo: Programa de Rádio POESIA E PROSA. Será que já estou resgatando na velhice a adolescência?
É ... o tempo passa. Rápido. Aproveitemo-lo, senão... Por isso, nada mais oportuna a frase, ainda do Brás Cubas: “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”

Mergulho

Crônica - BOM DIA - 26-10-07

MERGULHO

Cinema: Espaço Unibanco, rua Augusta, São Paulo.
- Por favor, a senhora poderia assoprar a fumaça para baixo?
Era eu(um chato?) a me incomodar coom o cigarro ali.
- Tente deixar o cigarro. Afinal, mais uma mulher bonita no mundo e menos fumaça no ar.
Desculpas gentis, sorrisos levaram a fumaça para longe.
O filme? Maravilhoso: Piaf: Hino ao amor. Assistir ao filme da história da cantora francesa Édith Piaf (1915-1963) é ver alguém mergulhar profundamente na vida e seus afluentes e, sem deter as lágrimas, buscar na existência e descobrir por que alguém pode, com tanto talento, perder tudo, morrendo tão cedo - 47 anos...
Do ponto de vista da personagem e, creio, da verdadeira Piaf, pode tudo não ser como eu penso. Mas vá ser maravilhosa e infeliz ao mesmo tempo lá longe... Infância infeliz, frustrações no amor, dependência da morfina (dez injeções por dia, na veia jugular)...
Sem a mãe, cantava para sustentar o pai. Descoberta como cantora na rua...
Viveu muito a vida de um lado; sofreu terrivelmente de outro. Não se arrepende. A música "Non, rien de rien/ Non, je ne regrette rien..." diz tudo. Parece mais a La vie en rose.
E falo com meus botões: e Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Elvis Presley, Elis Regina...
E a imgem daquela mulher lá no saguão, e a fumaça do cigarro... E as leis nos supermercados, nos aviões, nos ônibus, que protegem os que não fumam...
Mas a história de Édith Piaf, no cinema, me encantou. Me comoveu!! Maravilhosamente!!

ARVORORQUÍDEA

ARVORORQUÍDEA
Chamadoira

Complexos neste mundo igual,
Orquídea e árvore-afeto, mãe adotiva.
Tronco-caule, unoutro tal
Que nenhum doutro se priva.

Vale a pena engolir a distância.
Se o afeto-seiva nos sustenta a vida?
Por que alimentar nossa oculta ânsia?
Acolhe-me no teu tronco, querida!

Vivemos o destino assim:
Juntos nesta arvororquídea simbiose
Teu desejo-seiva em mim
a ti devolvo, na porção amorosa dose.