Machado de Assis e o tempo

Machado de Assis e o tempo


Fim de ano. Alguns filosofam: tempo para refletir, para pensar o novo ano... Certo? Errado. Fim de ano para professor é correria. Correr contra o tempo. E haja pernas e tempo. Nessa azáfama findeanesca, buscando tempo, espaço nos minutos, comecei a falar comigo mesmo, como a racionalizar os conflitos do ter que fazer e não ter tempo. E aí, veio a palavra tempo ilustrar minha angústia de ser limitado e, portanto, ter que sublimar, esquecer, mandar ver as coisas, sem tempo mesmo. Padre Antônio Vieira achava o tempo uma coisa miraculosa: “Tudo cura o tempo!” Drummond via o tempo como uma solução para certos problemas: “Chega um tempo em que não se diz mais Meu Deus”. E até o filme “O vento levou” e música de Chico Buarque renderam alguma coisa: “Amanhã será outro
dia.” E como palavra atrai palavra, pensamento atrai pensamento, veio a figura de um dos mais preocupados com o tempo: o Bruxo de Cosme Velho: Machado de Assis. E lembrei-me, então, do obstáculo da entrada na Faculdade: Redação. Tema: Qual o prosador favorito e por quê? Não tive dúvidas: lasquei Machado de Assis. Anos depois, um dos últimos obstáculos para sair no curso de Letras: um trabalho sobre alguma coisa de Teoria Literária, com o Prof. Antônio Cândido. Não tive dúvidas e lasquei de novo: o tempo em Machado de Assis.
Pois é... se existe alguma coisa que gosto de explorar e verificar em Machado é o problema do tempo. Talvez, na inútil, porém, gostosa idéia de uma eterna adolescência – ah, adeptos da síndrome de Peter Pan – indigno-me com a inexorável passagem do tempo. Creio que o velho Machado também.
Senão, como se preocupar tanto com a passagem do tempo e mudanças na vida?
Você pega aí o romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Trata-se de memórias, da passagem do tempo. Vendo que tinha passado a vida inteira sem se realizar em nada, Cubas quer se imortalizar com a invenção de um remédio: o Emplastro Brás Cubas. E aí, quando estava ocupado em preparar e apurar a invenção, ironicamente tomou um golpe de ar. Pneumonia mais alguns dias, igual a morte. Daí as memórias póstumas...Para nós, aqui, do século XXI, meio forçada a pneumonia. Mas, por ser Machado de Assis, tudo bem...
Mas insiste no tempo. De outra feita, Brás Cubas não se desvencilhando do aspecto tempo, envolve a primeira namorada.e aí une o tempo ao dinheiro, sem saber e já mostrando que, um dia, esses conceitos iriam se identificar. Afinal, a famosa frase de Benjamim Francklin “Time is money” já tinha sido, ironicamente usada no trecho que cunhou o fim do namoro com Marcela: “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.”
E tome lá tempo. Veio mais tarde o romance Memorial de Aires, pelo próprio nome, coisa de tempo e memória. O diário - já anunciado na obra Esaú e Jacó - do Conselheiro Aires conta a sua vida. Querem uma coisa mais relacionada ao passar do tempo do que um diário? Dia a dia, vai o Conselheiro Aires marcando, até seis cadernos manuscritos em tinta vermelha, os acontecimentos. E sabemos isso porque o próprio Machado nos conta em outro romance.
Esse anúncio de uma história em outra, já aparecia no Brás Cubas. Este, certo dia, encontra um homem, cujas “roupas, salvo o feitio, pareciam ter escapado ao cativeiro de Babilônia. Quem ler o capítulo Um encontro, verá que se trata de Quincas Borba, o gracioso menino amigo de infância de Brás Cubas. Mais tarde, porém – nada como tempo para mudar as coisas – encontra o mesmo Quincas Borba rico, bonachão. Tempo de um romance, de novo anunciado em outro.
O próprio Rubião, desse romance, também se fixa na passagem do tempo. No primeiro capítulo ei-lo fitando a enseada – eram oito horas da manhã: “Cotejava o passado com o presente. Que era, há um ano? Professor. Que é agora? Capitalista.”
Em D. Casmurro, a infância de Bentinho visitada pela personagem:. os amores por Capitu. E na velhice, a reconstituição da casa da rua Mata Cavalos no Engenho Novo. E seu sintomático gosto pela passagem do tempo ainda podemos sentir quando ao receber a visita de Ezequiel, sabe que se dedica ao estudos de Arqueologia. Quer conhecer o passado. Há também crônica em que Machado fala de achados arqueológicos no Rio de Janeiro.
E os contos do Bruxo de Cosme Velho?Quem for ver os títulos e assuntos dos contos sentirá ali o cheiro do tempo: Relíquias da Casa Velha, Histórias sem data, Vinte anos! Vinte anos! Casa velha, Entre duas datas, Curta história...
Minha memória, que curto e protejo, ainda guarda como terrível estigma ou bela síntese, a explicação do porquê do romance D. Casmurro. Logo no início, Bentinho escreve: “O meu fim (neste livro) evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência.”. Perdoem-me os leitores pela invasão na crônica. Mas faz parte do tema. Iniciei como radialista na Rádio Técnica de Atibaia, percorri por longos (ou breves) 23 anos, várias Escolas Estaduais e a Federal, pegando carona e viajando no ensino da Literatura, chegando à Unesp pelo trem da vida. Aqui, ministrar aulas de Radiojornalismo, me fez atar as duas pontas da vida: primeiro emprego, na adolescência, como operador de som, programador numa emissora de rádio. Depois como professor de Literatura. As aulas de Radiojornalismo fizeram o elo: Programa de Rádio POESIA E PROSA. Será que já estou resgatando na velhice a adolescência?
É ... o tempo passa. Rápido. Aproveitemo-lo, senão... Por isso, nada mais oportuna a frase, ainda do Brás Cubas: “Matamos o tempo; o tempo nos enterra.”

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